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29 de jan. de 2010

Em uma manhã que eu não poderia descrever (Parte I - tentativa 2)

2.

Para ser do outro não é necessário saber-se do outro. Pertencer a alguem não requer sabedoria. Pode ser fato ignorado, inacessível. Mas também pode ser tão sabido quanto o próprio nome e tão perceptível que intimida... Tão perceptível que encoraja. Com ela aconteceu os dois: a coragem e a timidez. As duas mostraram-se como linhas que teciam o mesmo tecido, o tecido emocional de cada ser. Emoções são como panos, sao véstices que podem ser usadas juntas ou separadas, às vezes uma sobre a outra. Quando estava com ele sempre vestia as duas. Só que muitas vezes uma ficava escondida por baixo, ora a coragem, ora a timidez.

Era preciso coragem para interceder no destino. Como o veria de novo? Ele podia não ter notado a importância daquele encontro casual. Talvez não estivesse suficientemente atento. Para ela era tão visível, tão claro, evidente. Nao era preciso timidez para nada, àquele tempo, só atrapalhava, mas mesmo assim sentia, muita. Diante dele sua alma ficava miúda. Apertava o peito sem ter palavras para dizer-lhe, exceto as ensaiadas com antecedência. Nada surgia de novo, de improviso, só o medo aumentando a distância dos corpos e a impossibilidade de um envolvimento. Proporcionalmente ela o desejava mais e mais.

Tudo começou com uma porta entreaberta. Quando se abriu ela o enxergou pela primeira vez. Talvez ele nem a tivesse visto no mesmo momento, ou se viu não percebeu. Quanta vida há que os olhos vêem e a alma não percebe!? Ele entrou de novo e fechou a porta e depois de tê-lo visto e perdê-lo do olhar foi como se uma luz se apagasse naquela sala de espera. Mas continuava claro. Era só a luz dele mesmo que tinha ido embora, entretanto só aquela porta os separava e quando ele saiu novamente foi o nome do seu pai que disse. Ela se levantou junto, feliz de estar ali o acompanhando naquela consulta. O momento era alegre desde que o vira. Mesmo que ele estivesse sério ela sorria. Era a alma dele que ela encontrava. O rosto sério era quase o mesmo que nada, mas era um belo rosto e também isso a encantava.

Entrou na sala para acompanhar o pai no exame.

- Você tem medo de sangue? - ele perguntou
- Tenho, chego a desmaiar! - ela respondeu considerando que fosse charmoso confidenciar sua fragilidade.
- Então por favor espere do lado de fora.

Ele foi tão enfático que não sobrou a ela espaço para argumentar que nem olharia. Tinha respondido à pergunta de forma tão espontânea que jamais teria previsto o prejuízo, a perda da oportundiade de estar diante dele um pouco mais. Sentiu ódio de si mesma, durou apenas um segundo, em seguida sentiu aquela vontade recorrente de fazer o tempo voltar. Mas não voltava, tampouco passava do lado de fora da sala. La ficou, sentada e arrependida. Queria voltar para dizer qualquer outra coisa que a permitisse estar com ele.

Quando um enfermeiro saiu da sala ela ouviu a voz de seu pai em uma conversa animada. O enfermeiro fez sinal de que ela já podia entrar. Sorriu de alegria pelos dois sinais: voltaria a falar com ele e se não houvesse encantamento por ela fatalmente ele ficaria encantado por seu pai, todo mundo sempre ficava. Um homem que encantava as pessoas com palavras. Provavelmente ele também ficasse encantado, pensou.
(Continua)

Um comentário:

Deputado Lara disse...

encantados, ficamos nós, leitores, com esse teu lindo espaço!
parabéns pela coragem e depoimento.
linda alma essa sua, linda!
bj grande.

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